sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Uma questão de confiança

"O indicador de clima económico estabilizou em Fevereiro, mas a confiança dos consumidores caiu para mínimos desde meados de 2003, revela Inquérito de Conjuntura do INE para este mês.” in Diário Digital, 29-02-08

O Sr. Januário sai de casa com chapéu porque não acredita no boletim meteorológico. A D. Adelina gosta de iogurtes com pedaços mas desconfia dos prazos de validade. A Marta gostava de ter mais canais de televisão mas não quer ser cliente da TV Cabo. O Manuel precisa de arranjar trabalho mas gato escaldado de água fria tem medo. O Pedro gostava de votar em alguém mas nenhum dos candidatos o convence. A Sra. Maria até fazia um Super Aforro Millennium BCP mas são todos uns vigaristas. A Inês queria medir a febre mas não confia nos termómetros digitais. O Zé gosta da Tânia mas não consegue convidá-la para sair.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Parlamento meets Big Brother

“A RTP1 estreia hoje o programa de debate político Corredor do Poder. Conta com um painel fixo de cinco comentadores e um convidado, moderados pela jornalista Sandra Sousa. Um detalhe: as câmaras estarão ocultas, à excepção de uma.O objectivo é "tornar o debate mais espontâneo, embora as pessoas saibam que estão na televisão", explicou José Alberto de Carvalho.” in DN, 28-02-08

Introduzir um elemento de surpresa e voyeurismo pode bem ser uma das últimas armas que leva o português médio, cansado, dormente, mal pago e quase-desempregado a ver um debate político na TV.
Mas onde estarão as câmaras do Corredor do Poder? No fundo dos copos de água, proporcionando aos telespectadores uma visão inédita da dentição, língua e amígdalas da classe política? No tecto, apresentando planos picados das cabeleiras e carecas do painel? Debaixo da mesa, possibilitando o visionamento de alianças improváveis e a descoberta de romance entre poder e oposição?
Melhor que isto, só mesmo pondo políticos numa casa em que se sujeitassem às regras, humores e patifarias de um mestre anónimo, comandado pelos sms do povo em geral e dos espectadores da TVI em particular. Ah, espera lá, isso já foi feito. E o Avelino Ferreira Torres foi dos primeiros a sair.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O pão nosso de cada dia


“Confirmando previsões, o preço do trigo continua a subir, tendo atingido um novo recorde nos últimos dias - 12 dólares (7,96 euros) por alqueire. A retracção na oferta e baixas reservas explicam esta subida nas bolsas. Em Portugal, a indústria de panificação diz que não aguentará sem aumentar o preço do pão. Na ordem dos 50 por cento, para poder sobreviver.” In Público, 27-02-08

Com os campos abandonados, as reservas mundiais nos seus níveis mínimos e a especulação bolsista que não olha a meios nem matérias para fazer algum, impõe-se a actualização de todo um conjunto de crenças e valores.
Por exemplo, “Estar a pão e água” faz mais sentido passar a ser “Estar a europopanças do McDonalds”. “Pão pão, queijo queijo”, expressão utilizada para designar pessoa franca, directa, sem papas na língua, dá lugar naturalmente a “Bimbo, Bimbo, sucedâneo de queijo, sucedâneo de queijo”. E “Não há pão pra malucos” é evidentemente substituído por “Não há pão”.
E porque esta crise afecta todos, até as festas de beneficência descritas pela Susaninha dos livros da Mafalda, em que a gente rica se reune a banquetear para poder comprar carcaças para os desfavorecidos, terão de ser repensadas.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Bamos ao Shopping?

“A intenção da Câmara do Porto de concessionar, por 50 anos, o Mercado do Bolhão aos holandeses da TramCroNe (TCN) instalou a polémica entre comerciantes e associações cívicas que tentam interpor uma providência cautelar para impedir o início das obras. Mas se estas contestam, categoricamente, a proposta aprovada pelo executivo de Rui Rio, os comerciantes estão divididos. Uns apoiam a transformação radical do interior do imóvel, defendendo uma espécie de centro comercial onde coabite o mercado tradicional, outros recusam tal intenção.”
in DN, 25-02-08

Para que, pelo menos o espírito se mantenha, são necessárias algumas salvaguardas. Primeiro, a toponímia do centro comercial deve submeter-se à temática “espécies de peixe”. Rua da Faneca, Praça Peixe Espada Preto, Alameda do Besugo são algumas boas hipóteses. Segundo, a abordagem comercial, com o uso do pregão e do vernáculo habituais, deve ser mantida independentemente da marca ou do produto em causa. “Ó freguesa, olhe pra este Big Mac, que categoria! Não encontra mais fresquinho!” e “Olhá cigana da Rituals! Vá lá ver, é tudo a cinco aéreos!” constam do manual de acolhimento e constituem um exemplo a seguir. Terceiro, uma vez por dia passa nos altifalantes do espaço a marcha do FCP, momento que assinala uma happy hour de frutas e legumes, com especial destaque para secção da exótica “fruta para dormir”. Quarto e último, a música ambiente deve ser constituída pelos grandes nomes da canção popular, cujos temas convidam à compra, à dança e à rambóia. Quim Barreiros, Emanuel, Toy e Tony Carreira são grandes clássicos com presença assegurada na playlist. Mas para encantar a audiência versátil e melómana, nomes como os Moloko também vão constar.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

É por aqui?

“Emmanuele Jannini, da Universidade de L"Aquila, e a sua equipa, que vão publicar os seus resultados na próxima edição (de Março) do Journal of Sexual Medicine, fizeram ecografias com sonda vaginal a 20 mulheres, das quais apenas nove diziam ter orgasmos vaginais. E descobriram que essas nove mulheres apresentavam uma maior espessura do tecido situado entre a uretra e a vagina do que as outras. "Pela primeira vez", disse Jannini à revista New Scientist, torna-se possível determinar de maneira simples, rápida e barata se uma mulher tem ou não um ponto G."
In Público 21.02.08

Dr. Caldeira Nunes, médico da Sra Albertina no Centro de Saúde, ou para ser mais realista no Hospital Central a centenas de kms de sua casa, ou então melhor ainda na ambulância do INEM, de papel e esferográfica na mão: “Ora bem então são... análises ao sangue, análises à urina, o electrocardiograma, a mamografia para ver se está tudo bem (já sabe tem de fazer todos os anos) e a ecografia por causa do ponto G. A Sra Albertina tem orgasmos?”
Ao que a Sr. Albertina responde: “Não Shô Doutor, tenho ADSE...”
Simples, rápida e barata a coisa só será quando se vender o equipamento na TV Shop ou no catálogo e na loja D-mail. “G-Tronix é o fantástico kit completo para encontrar o Ponto G. Aerodinâmico e portátil, inclui sonda vaginal, mapa do tesouro e capacete de mineiro. E para os primeiros 100 interessados, grátis a oferta de cabo USB para ligar ao monitor. Ligue já!”

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

A tua é maior que a minha

“Francisco Louçã surpreendera o plenário ao mostrar um poster de um gestor e a fotografia tipo passe de um trabalhador como forma de ilustrar um fosso salarial que atinge neste momento as 32 vezes.” in DN 22.02.08

E se ao volume salarial do gestor correspondesse não o tamanho da sua foto mas... da sua cabeça.
O Sr. Super Gestor acorda de manhã e é cabeçudo. Quando se ergue da cama, cai para a frente desgovernado em virtude do peso da sua cabeça de dezenas de milhares de euros mensais. Só sair do quarto é um problema. Despir o pijama e vestir qq coisa, impossível! E como vai ele entrar no seu Audi? Só se for pelo tejadilho, pois sempre tem tecto de abrir. Mas depois tem de ir todo o caminho com a cabeça de fora, tipo cão, com o vento a levantar-lhe as pálpebras e os ramos de árvores a limparem-lhe o pó à careca. Ao chegar ao edifício da sede do banco, o seu fiel assistente pessoal tem de mandar chamar uma equipa de trolhas para, à sua frente, derrubar parede por parede e aumentar a largura das portas. Enquanto espera e vê a mulher da limpeza ocultar o riso de gozo atrás da TV7 dias, o Sr. Super Gestor pensa “bom, podia ser pior...”.

É a cultura, estúpido!

“A Associação de Bares da Zona Histórica do Porto desafiou os associados a transformarem as suas empresas em associações culturais e recreativas, onde a lei do tabaco é omissa relativamente à proibição de fumar.” in Público, 21.02.08

Tal como uma bica passa a duas, neste caso um cimbalino a dois, a Discoteca Indústria passa a Clube Recreativo “Os unidos da Indústria”!
Já estou a ver o Barbosa e o Teixeira a rumarem até à Indústria, perdão, até ao Clube Recreativo “Os unidos da Indústria” para dois dedos de conversa e meia-dúzia de copos de 3. E a malta mais nova do bairro, os miúdos do tunning e dos rotwaillers, a aparecerem para uma partida de snooker e uma grade de minis bem fresquinhas, a preço de amigo que só encontra concorrência na sede do PCP.
Às 4ªs há noites de fado vadio com a presença do ilustre Fánan, acompanhado à guitarra por Beto Dedinhos e à viola por Tozé Ribeiro. Às 3as e 5as há aulas de ginástica de manutenção pela Professora Lizete, cabeleireira no salão com mesmo nome e rainha da madeixa e da extensão. E às 6ªs há ensaio do rancho, o ex-libris do clube.
O rancho da Indústria, perdão, do Clube Recreativo “Os Unidos da Indústria” inspira-se na estética, nas vivências e no cancioneiro popular do operariado metalúrgico e metalomecânico. Nas suas actuações ao vivo, os elementos, de fato macaco e capacete, recriam momentos de trabalho e de convívio dos operários, em temas como “Tuntz tuntz” e “Não não, não não não não, não não não não, não não, não há limites”.
O Aniki Bobó, por seu lado, passa a Associação Desportiva e Cultural “Os amigos do... Manoel de Oliveira”.
E claro, toda a gente fuma onde quiser.